Muriquis-do-norte ficam duas horas abraçados, após reencontro


Irmãos que eram os últimos indivíduos da espécie na região de Ibitipoca (MG) ficaram separados após manejo para reintrodução. Projeto Muriqui House se dedica a trabalho para salvar muriquis da extinção. Muriquis-do-norte ficam duas horas abraçados, após reencontro
Hoje, 5 de setembro, é celebrado o “Dia do Irmão”, uma data que destaca a importância dos laços familiares dessas relações. Em Ibitipoca, distrito de Lima Duarte (MG), essa celebração ganha um toque ainda mais especial com a emocionante história de dois irmãos muriquis-do-norte (Brachyteles hypoxanthus), Luna e Bertolino.
Ibitipoca abriga o Projeto Muriqui House, ativo desde 2017, que se dedica à reintrodução dessa espécie na região. Ao todo, oito indivíduos foram resgatados para o projeto, que visa desde o manejo até a volta deles à natureza. Luna e Bertolino, únicos animais nativos do local entre os resgatados, protagonizaram uma cena especial em agosto de 2019, que exemplifica a relação entre irmãos na natureza.
Irmãos muriquis-do-norte
Ibitipoca abriga o Projeto Muriqui House, ativo desde 2017.
Priscila Maria Pereira
Os pesquisadores do projeto estimam que Luna (25 a 30 anos) e Bertolino (+40 anos), os últimos muriquis-do-norte da região de Ibitipoca, viviam isolados há pelo menos cinco anos. Inicialmente, o plano era capturá-los juntos para serem levados ao recinto, mas a captura se mostrou um grande desafio, e isso não foi possível. Assim, Bertolino foi o primeiro a ser transportado.
“Quando acertamos o dardo com anestésico em Bertolino, Luna estava há uns 20 metros do irmão. Eles foram de encontro um ao outro, se abraçaram, se deslocaram alguns metros de mãos dadas, quando Bertolino começou a sentir os efeitos do anestésico, Luna saiu correndo”, relata Priscila Maria Pereira, coordenadora de campo do projeto Muriqui House.
Após três meses separados, Luna foi capturado e levado de volta ao recinto. Foi lá que o reencontro aconteceu, surpreendendo Priscila, que fez questão de registrar o momento.
Os muriquis-do-norte da região de Ibitipoca estavam fadados à extinção
Priscila Maria Pereira
De acordo com ela, a cena foi emocionante para toda a equipe presente e foi difícil conter a emoção. Todos estavam ansiosos para ver como seria o reencontro, mas ninguém esperava que o abraço durasse duas horas, já que, em média, os indivíduos dessa espécie costumam se abraçar por apenas 2 a 4 minutos.
“Os muriquis são os maiores abraçadores da natureza, realizando esse comportamento várias vezes ao dia para fortalecer os laços entre os indivíduos, até cinco ou seis animais podem estar envolvidos em um mesmo abraço. Esse comportamento também é usado para intimidar possíveis predadores, quando vários muriquis se abraçam para parecerem maiores e ameaçam o predador”, explica a pesquisadora.
Segundo ela, a duração deste abraço possivelmente tem relação com um “sintoma” de saudade, pois os muriquis formam laços fortes entre eles e é possível perceber as preferências entre indivíduos.
Após o reencontro, Priscila conta que eles permaneceram juntos no recinto e nesse momento, já com a presença de uma fêmea, chamada Ecológica, Bertolino e Luna fortaleceram mais os laços sociais e as vocalizações entre eles, comportamentos que estavam um pouco “esquecidos” quando viviam sozinhos na mata.
Projeto Muriqui House
A área do projeto possui 6 hectares.
Priscila Maria Pereira
Priscila explica que os muriquis da região de Ibitipoca estavam fadados à extinção, já que desde 2007 o grupo era formado somente por 5 machos que viviam isolados, sem nenhuma chance de chegar alguma fêmea migrando ao grupo, comportamento este, natural da espécie.
O grupo de Ibitipoca está isolado de outros grupos há muitos anos, e atualmente a população conhecida mais próxima está a mais de 100 quilômetros em linha reta.
A área do projeto possui 6 hectares, sendo 2,5 hectares um fragmento de Mata Atlântica que é monitorado de domingo a domingo, onde todos os animais são vistos diariamente. As atividades envolvem a contagem diária dos indivíduos, monitoramento de saúde, observação de comportamentos e manejo social para a formação do grupo.
Atualmente, o grupo do Muriqui House é composto por sete indivíduos, com apenas um nascimento registrado no local, sendo este o único filhote da espécie nascido em cativeiro.
“O projeto de manejo traz esperanças para a conservação da espécie criticamente ameaçada de extinção. Atualmente, são somente 12 populações conhecidas, todas isoladas uma das outras, que somam menos de 1.000 indivíduos. Dessas, somente 5 possuem viabilidade a médio longo prazo, todas as outras são ameaçadas a médio e curto prazo”, revela Priscila.
Atualmente, o grupo do Muriqui House é composto por sete indivíduos.
Priscila Maria Pereira
Ainda segundo ela, o projeto de manejo em Ibitipoca surgiu com o objetivo de capturar as fêmeas migrantes pela paisagem fragmentada, em uma situação de extrema vulnerabilidade, e unir aos machos de Ibitipoca. No entanto, hoje enxergam de uma forma muito mais ampla, a importância do projeto, gerando informações novas e extremamente importantes para subsidiar o manejo e a conservação da espécie.
“Por ser um projeto inédito, os desafios e aprendizados são enormes e constantes. As capturas são muito desafiadoras, mas ao longo dos casos já realizados, conseguimos entender as necessidades para tornar esse processo cada vez mais eficiente e seguro, e publicamos um Protocolo para captura de muriquis, que podem auxiliar outros pesquisadores”.
Os muriquis que são capturados e chegam no Muriqui House, passam por um processo de adaptação e integração social aos indivíduos que já estão no projeto.
“A formação social de um grupo é bem complexa, pois cada indivíduo tem uma personalidade e trazem uma história única que precisa ser levada em consideração no processo”, pontua.
Ainda não existe uma previsão para a reintrodução desses animais na natureza, pois é preciso de um grupo maior e que tenha mais chances de se adaptar a longo prazo.
Os indivíduos
Os muriquis que são capturados e chegam no Muriqui House, passam por um processo de adaptação e integração social
Priscila Maria Pereira
Ecológica: uma fêmea que foi resgatada isolada em Santa Bárbara do Leste (MG), com aproximadamente 11 anos.
Ela é filha de Eduarda, a primeira fêmea de muriqui capturada em MG, e, quando saiu para migrar e buscar outro grupo para se reproduzir, ficou perdida no mosaico de paisagem e foi capturada em meio a uma plantação de eucalipto.
Socorro: uma fêmea que vivia sozinha há pelo menos 10 anos em um pequeno fragmento de mata, em meio a uma plantação de café. Estima-se que tenha entre 25 e 30 anos.
Nena: uma fêmea recém-migrada, que também foi capturada em meio a uma plantação de eucalipto. Nena tem aproximadamente 9 anos.
Eliot: o único filhote da espécie nascido em cativeiro, filho de Bertolino e Ecológica. Um nascimento muito comemorado e que salvaguarda a genética de Ibitipoca. Eliot tem 3 anos e 10 meses.
Morfeu: um filhote encontrado pelos pesquisadores do projeto Muriquis de Caratinga, no chão, sozinho, e ainda com o cordão umbilical. De acordo com Priscila, Morfeu traz muitos aprendizados diariamente, sendo o único filhote da espécie cuidado por humanos desde o primeiro dia de vida. E ele tem 2 anos e 11 meses.
O Muriqui Instituto de Biodiversidade é a instituição que coordena o projeto. No entanto, outras instituições estão envolvidas: Funbio, Reprocon, IbitiProjeto, Universidade Federal de Viçosa, Universidade FederaI de Goiás, Universidade de Wisconsin, Centro de Primatas Brasileiros – ICMBio, Projeto Muriquis de Caratinga.
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