Champinha participou dos assassinatos do casal Liana Friedenbach e Felipe Caffé em 2003 e está na UES desde 2007. Nesta semana a Secretaria de Estado da Saúde criou grupo para planejar qual será melhor tratamento para ele, que foi diagnosticado com ‘transtornos mentais’. Outros 4 internos receberão medida. Roberto Aparecido Alves Cardoso, o Champinha, aos 20 anos
SÉRGIO CASTRO/ESTADÃO CONTEÚDO
Após 20 anos das mortes de Liana Friedenbach e Felipe Caffé, o governo de São Paulo criou um comitê interdisciplinar para avaliar qual tratamento médico e psicossocial deverá ser oferecido a Roberto Aparecido Alves Cardoso, 36 anos, o Champinha, na Unidade Experimental de Saúde (UES), na Vila Maria, na Zona Norte da capital paulista.
Champinha e mais quatro homens foram detidos acusados pela polícia de sequestrar, torturar e assassinar o casal de adolescentes em 2003 em Embu Guaçu, na região metropolitana (saiba mais abaixo). Ele tinha 16 anos à época.
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Depois de passar pela Fundação do Bem-Estar do Menor (Febem, que anos depois passou a se chamar Fundação Casa) para cumprir medidas socioeducativas, Champinha foi internado na UES por decisão da Justiça. Está lá desde 2007, quando foi diagnosticado com “transtornos mentais”, devendo se tratar no local sendo impedido de sair dali. Ele não cumpre uma pena e não tem previsão de ser solto. Os quatro adultos foram julgados e condenados (leia nesta reportagem).
Além de Champinha, mais quatro internos da Unidade Experimental de Saúde estão proibidos de saírem, mas por terem cometido outros crimes quando eram adolescentes. Eles também serão beneficiados pela medida publicada nesta segunda-feira (6) pela Secretaria de Estado da Saúde (SES) no Diário Oficial do Estado.
“Dispõe sobre instituição do Comitê Interdisciplinar e Interinstitucional para avaliar e acompanhar a elaboração, pela Secretaria da Saúde, de um plano terapêutico individual para todos os indivíduos que se encontrem na Unidade Experimental de Saúde e dá outras providências”, informa trecho da decisão da SES publicada nesta segunda-feira (6) no Diário Oficial do Estado.
A informação sobre a criação do comitê foi publicada inicialmente na edição da Folha de S.Paulo desta sexta-feira (10), depois acabou confirmada pelo g1.
Roberto Aparecido Alves Cardoso, o Champinha, na Unidade Experimental de Saúde (UES), em 2019.
Reprodução
Há dois anos a Defensoria Pública já havia ajuizado uma ação para cobrar da Secretaria de Estado da Saúde a criação de um comitê interdisciplinar para avaliar individualmente quais tratamentos devem ser dados a cada um dos cinco internos da UES. Mas a medida só foi oficializada nesta semana.
“É uma decisão acertada e bem-vinda e representa um importante um avanço para começar a solucionar as questões que envolvem a Unidade Experimental de Saúde, um espaço reconhecidamente ilegal e irregular”, disse ao g1 Daniel Secco, defensor público do Núcleo da Infância e Juventude.
As críticas dele a UES são também do Núcleo da Infância e Juventude da Defensoria. O órgão considera a unidade uma “espécie de limbo jurídico”, sem respaldo em leis específicas e sem dar tratamento de saúde básico aos internos.
“É obrigação, oriunda da legislação aplicável, avaliar e permanentemente reavaliar qualquer intervenção que supostamente diga respeito a questões de saúde mental, ainda mais quando envolvem privação de liberdade, para que sejam oferecidos os encaminhamentos e eventualmente tratamentos adequados”, disse Daniel.
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Reprodução/ Arquivo/ TV Globo
O comitê será formado por representantes indicados pela Defensoria, a pasta da Saúde e o Ministério Público (MP).
“A publicação permite maior transparência no acompanhamento desejado pelos órgãos de controle. Neste momento, está em formação a equipe que integrará o Comitê”, confirmou a Secretaria de Estado da Saúde numa das declarações divulgadas nesta sexta à imprensa.
Apesar de não admitir publicamente, o gestão da SES no governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) pretende levar desde outubro os únicos cinco internos da UES para o Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTP) “Dr. Arnaldo Amado Ferreira”, em Taubaté, no interior de São Paulo. O HCTP é também conhecido como Casa de Custódia.
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Reprodução TV Globo
A UES não é um hospital psiquiátrico de custódia, nem um presídio. Mas fica subordinada à Secretaria Estadual da Saúde e tem agentes de segurança vinculados à Secretaria da Administração Penitenciária de São Paulo, que fazem a vigilância e possíveis transferências.
MP e Defensoria se mostram contrários a essa ideia do governo estadual de transferir os internos da UES, na capital, para o HCTP, em Taubaté.
Essa proposta da Secretaria de Estado da Saúde surgiu depois da nova determinação que tornou irregular a detenção de pessoas com diagnóstico de transtornos mentais. Tarcísio, segundo fontes do g1, quer usar a Unidade Experimental de Saúde como um local exclusivo para tratamento de dependentes químicos da Cracolândia, região conhecida pelo consumo e tráfico de drogas no Centro de São Paulo.
Roberto Aparecido Alves Cardoso, o Champinha, na época da prisão dele, em 2003.
Reprodução
Champinha segue internado na UES amparado por laudos psiquiátricos e o artigo 1767 do Código Civil, que prevê que criminosos dotados de transtornos mentais sejam mantidos em “instituições apropriadas”, segundo a Justiça. Ele é o primeiro interno da unidade, que foi criada inicialmente por causa dele em razão do clamor público por Justiça à época contra os assassinos dos estudantes.
Desde agosto, segundo resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), os manicômios judiciários, como as Casas de Custódia também são conhecidas, não podem mais receber internos. Pela resolução, elas deixarão de existir em 2024. A Secretaria da Saúde informou que a Unidade Experimental de Saúde não é uma Casa de Custódia.
“Qualquer eventual transferência na Unidade Experimental de Saúde ocorre com devido alinhamento com a Justiça. Desde a inauguração da unidade, há um plano terapêutico singular aplicado e acompanhado por uma equipe multidisciplinar. A SES disponibiliza aos internos a equipe médica, os medicamentos, bem como o acompanhamento clínico e psiquiátrico dos internos”, rebateu a pasta da Saúde por meio de nota divulgada nesta sexta ao g1.
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A Secretaria da Administração Penitenciária também já havia informado em outubro sobre a necessidade de decisão judicial para fazer transferências. “Qualquer eventual transferência na Unidade Experimental de Saúde (UES) ocorre com devido alinhamento com a Justiça”.
Liana tinha 16 anos também quando foi estuprada por Champinha e parte dos homens antes de ser morta por ele com golpes de facão. Felipe estava com 19 e foi morto por um tiro dado por um dos adultos. Os namorados eram estudantes e tinham ido acampar escondidos dos pais em Embu Guaçu.
O crime chocou o país. Os quatro adultos foram julgados e condenados pela Justiça: Antônio Caetano Silva foi punido com 124 anos de prisão; Paulo Marques, 110 anos; Agnaldo Pires, 47 anos; e Antônio Matias de Barros, seis anos.
Champinha, o mais famoso dos acusados, era menor de 18 anos e recebeu medidas socioeducativas que deveriam ter terminado após três anos de internação, segundo a Defensoria Pública. Mas continuam numa outra modalidade, a da internação da UES.
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