Jovem registra cuitelão no interior do RJ: ‘É aquele momento que você vê quão pequena sua existência é’


Ave ameaçada ocorre no sul da Bahia, leste de Minas Gerais e em áreas próximas do Rio de Janeiro. Cuitelão registrado em Três Rios (RJ)
Weverton José de Almeida
“Cheguei na beira do porto onde as ondas se espáia
As garças dá meia volta e senta na beira da praia
E o cuitelinho não gosta, que o botão de rosa caia, iá…”
Assim começa uma das canções considerada um dos hinos da música caipira. A música “Cuitelinho”, composta por Paulo Vanzolini, que ficou eternizada nas vozes de Nara Leão, Pena Branca & Xavantinho, Milton Nascimento e outros artistas, traz nos primeiros versos e no nome o termo que era usado para se referir a beija-flores.
Partindo dessa relação, cuitelão seria um beija-flor grande? A ideia não estaria errada se avaliássemos apenas a aparência da ave, afinal, tem um bico fino e alongado, que lembra muito o dos colibris, e certamente esse fator deu origem ao seu nome popular.
Mas nesse caso, qualquer semelhança é sim, mera coincidência, pois o cuitelão (Jacamaralcyon tridactyla) pertence à família Galbulidae, a mesma das arirambas, enquanto os beija-flores são da família Trochilidae.
Considerado Vulnerável (VU) à extinção pela IUCN, essa ave é endêmica do Brasil, ocorrendo no sul da Bahia, leste de Minas Gerais e em áreas próximas do Rio de Janeiro.
De acordo com o Sistema de Avaliação do Risco de Extinção da Biodiversidade (Salve) do ICMBio, a ave era encontrada anteriormente também no Espírito Santo, São Paulo e Paraná, porém para esses estados não há relatos recentes ou registros confiáveis dessa espécie.
Cuitelão registrado em Três Rios (RJ)
Weverton José de Almeida
Por ser uma ave exclusiva do nosso território e estar ameaçada, muitos observadores de aves buscam encontrá-la ao menos uma vez. E foi exatamente isso que o empresário Weverton José de Almeida, de 25 anos, fez.
Junto com dois amigos e um guia, ele se aventurou em uma passarinhada em uma fazenda localizada na cidade de Três Rios, interior do Rio de Janeiro, para tentar a sorte de ver a espécie de perto.
“Chegando lá, a gente encontrou muitas aves como o beija-flor-roxo, bico-chato-de-orelha-preta, gavião-caracoleiro, anu-cocoroca”, relembra.
Eles encontraram outro amigo observador pelo caminho, este levou o grupo ao local onde a chance de avistamento do cuitelão era grande. Para alegria de todos não havia apenas um, porém, cinco indivíduos em meio às embaúbas.
“Quando a gente encontrou o ponto, chamamos no playback e apareceram dois: um se escondeu e o outro deu um show, deixou fazer vários registros”, conta Weverton.
Cuitelão registrado em Três Rios (RJ)
Weverton José de Almeida
A sensação do grupo foi a de dever cumprido, já que o foco da viagem era justamente observar e registrar essa espécie. “Encontrar uma ave que está justamente ameaçada, mora num fragmento de mata tão pequeno, é aquele momento que você vê quão pequena sua existência é. E que é um privilégio poder contemplar um animal que muito provavelmente 98% da população nunca vai ver”.
Observador por acaso
O primeiro registro de Weverton foi feito em 2016, com a qualidade que um celular Galaxy Pocket podia proporcionar. Nascido em Valença (RJ), ele foi criado em uma família que não observava aves. Durante a faculdade de biologia, conheceu uma garota cujos pais tinham casa em Angra dos Reis (RJ) e se interessavam pelo assunto.
Nesta casa, segundo ele, apareciam muitas aves diferentes e nem sempre a família conseguia identificá-las. “Pra impressionar minha namorada e fazer uma média com meu sogro, eu comecei a fotografar. E aí eu lembrei do meu login no WikiAves – site exclusivo sobre aves brasileiras – e comecei a postar, tudo com o celular mesmo”, comenta o observador.
Weverton (à esquerda) com um amigo durante uma viagem de observação
Arquivo pessoal/Weverton de Almeida
Em outra situação, durante um período difícil de desemprego, Weverton viu um tuiuiú voando sobre a cidade de Resende (RJ) enquanto voltava de ônibus para casa. “Eu achei aquilo a coisa mais fantástica do mundo, porque para mim tuiuiú era bicho que só era encontrado no Pantanal, no Mato Grosso”. Parecia que ele estava recebendo outro sinal.
Até que a namorada Brenda Carvalho Campos o aconselhou a comprar uma câmera, e ele assim fez. “Hoje deve ser o maior arrependimento dela no nosso namoro, ter mandado eu comprar uma câmera, porque todo fim de semana ela me perde pra passarinhada”, brinca.
A espécie
Ave usa o bico longo e fino para apanhar insetos
Weverton José de Almeida
O cuitelão mede cerca de 18 cm de comprimento e possui apenas 3 dedos, contra quatro da maioria das espécies de aves. É também conhecido como cavadeira, bicudo e violeiro.
Vivendo em bandos familiares que variam de dois a dez indivíduos, a população de cuitelões vem passando por um pequeno declínio tendo em vista os casos de extinção local. Entretanto, não é esperado que esse declínio ocorra em níveis preocupantes.
A espécie costuma habitar florestas que crescem ao redor de rios e córregos e também florestas que perdem parte das folhas no outono e inverno. Pode viver em áreas degradadas, tolerando um grau considerável de alterações humanas.
A ave se alimenta principalmente de pequenos insetos e utiliza barrancos para sua reprodução. A perda de habitat e de cavidades para nidificação devido a desmoronamentos, especialmente durante a época chuvosa, são as maiores ameaças à espécie.
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