Sistema de drenagem atualizado e áreas permeáveis poderiam ter evitado danos da chuva em SP, afirmam especialistas


Um dia após o temporal que deixou uma pessoa morta, ruas e estação de Metrô alagadas e carros ilhados, prefeito Ricardo Nunes disse que cidade estava preparada e não havia o que ser feito para conter água que invadiu estação. Pessoas são transportadas de bote em meio o alagamento na Av. Cruzeiro do Sul, após a forte chuva que atingiu o bairro de Santana, na zona norte de São Paulo, no final da tarde desta sexta-feira (24)
GABRIEL SILVA/ATO PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
A cidade de São Paulo viveu um dia de caos na última sexta-feira (24) com ruas alagadas, cachoeira e correnteza em estações do Metrô e carros levados pela enxurrada. A capital registrou o terceiro maior volume de chuva desde o início das medições do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), em 1961 — foram 125,4 mm acumulados.
O artista plástico Rodolpho Tamanini Netto, de 73 anos, morreu na chuva histórica após a enxurrada invadir sua residência na Vila Madalena, na Zona Oeste. A água atingiu a altura aproximada de 2 metros.
Um dia após o temporal, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) disse que a cidade estava preparada e não havia o que fazer para conter a força da água que invadiu a estação Jardim São Paulo, da Linha 1-Azul do Metrô, onde passageiros tiveram que se agarrar a grades para não serem levados pela correnteza.
“Num volume de água igual aquele [na estação São Paulo do Metrô], não adianta, você vai ter problema. É humanamente impossível conter, com a quantidade de água e aquele volume, no mesmo local em um espaço curto de tempo. Ali é um vale. Tivemos situações no passado de ter essa situação, agora é trabalhar para fazer bombeamento”, afirmou.
✅ Clique aqui para se inscrever no canal do g1 SP no WhatsApp
Diferentemente do que Nunes declarou, há diversas medidas que podem ser adotadas para minimizar e evitar os danos provocados por temporais como o de sexta, afirmam especialistas ouvidos pelo g1 e pela GloboNews.
As mudanças climáticas e o aumento dos eventos meteorológicos extremos também não são mais novidade e fazem parte do cotidiano dos paulistanos.
Dados levantados pelo Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP (IAG-USP), por exemplo, revelam que o acumulado de chuva na capital paulista cresceu 5,5 mm por ano, em média, entre 1933 e 2023.
Somado a esse cenário, o sistema de drenagem defasado e as áreas impermeabilizadas (como asfalto e calçadas que impedem a absorção da água) da cidade também são grandes obstáculos a serem superados pelos gestores públicos.
A forte chuva que atingiu São Paulo na tarde desta sexta-feira (24) provocou uma enxurrada na rua João Ramalho, no bairro de Perdizes, região oeste da cidade
ALEX MIRANDA/ATO PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
Sistema de drenagem
Ao g1, Pedro Camarinha, engenheiro e pesquisador do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), explica que áreas mais impermeabilizadas aceleram o escoamento da água da chuva, aumentando a pressão sobre o sistema de drenagem.
Contudo, a infraestrutura de São Paulo está defasada para as condições climáticas atuais e não suporta mais as pancadas de chuvas que estão cada vez mais intensas e repentinas.
“Quanto maior for essa impermeabilização, mais rápido vai ser o escoamento superficial e mais rapidamente pode sobrecarregar o sistema de drenagem que foi projetado com alguns parâmetros específicos que, para boa parte de São Paulo, são parâmetros antigos. Era para um clima mais antigo, e esse clima tem mudado ao longo do tempo”, destaca Camarinha.
O professor do Instituto das Cidades da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Kazuo Nakano também destaca que a cidade está sofrendo com inundações em áreas que não inundavam, tradicionalmente, como no Centro expandido, na região da Pompeia e até mesmo dentro do Metrô.
“O que está acontecendo é que a cidade está dando sinais de um colapso no seu sistema de drenagem, porque nas últimas décadas teve muita intervenção no espaço da cidade, muitas obras de infraestrutura […] principalmente nos sistemas de drenagem na cidade que não teve adaptação necessária a esses processos de transformação do tecido urbano, mas também a esses processos de mudanças climáticas que está entrando em uma situação de emergência climática”, disse Nakano à GloboNews.
Ilha de calor
Além das mudanças climáticas globais, o pesquisador do Cemaden relembra que São Paulo é uma grande ilha de calor — caracterizada pela temperatura mais elevada em comparação com as regiões vizinhas — em razão da quantidade de prédios, asfalto e da falta de áreas verdes.
“Então ela guarda muito calor ao longo dos dias, que em determinadas situações serve de combustível adicional à tempestade. O que explica, por exemplo, parte desse evento de sexta-feira. Se você olhar, não teve essa chuva no entorno de São Paulo, não foi uma coincidência. E além dessa ilha de calor, tem muito material particulado sendo emitido, principalmente pelos carros, que serve para ser um núcleo de condensação das nuvens”, explica Camarinha.
LEIA TAMBÉM:
Artista plástico morto em casa por enxurrada da chuva pintou quadro sobre alagamento e tinha portão antienchente na Vila Madalena
Estações da Linha 1-Azul do Metrô fechadas por temporal de sexta-feira voltam a funcionar em SP
‘Podia fazer o que fosse, não teria condições de evitar os danos’, diz Nunes sobre enxurrada que caiu na estação Jd. São Paulo do Metrô
Chuva deixa estação de metrô alagada e passageiros se agarram nas grades em SP
Combate a enchentes
Questionado sobre as medidas que a prefeitura tem adotado na prevenção das enchentes na segunda-feira (27), o prefeito Ricardo Nunes afirmou que há oito piscinões em construção em parceria com os governos estadual e federal. Esta é uma das promessas do plano de governo do emedebista.
Nunes também disse que, no primeiro mandato, foram investidos R$ 7,6 bilhões em drenagem, microdrenagem, canalização de córrego e contenção de encostas.
Contudo, na avaliação do pesquisador do Cemaden, o gestor deveria apostar em obras com múltiplas funcionalidades, como os parques lineares — que são infraestruturas verdes projetadas para acompanhar o curso de rios ou córregos, desempenhando papel importante no escoamento da água durante as enchentes e na redução dos alagamentos.
Além de ser uma solução ecológica e urbanística, Camarinha aponta que esse tipo de parque também tem a função social — o que não acontece com os piscinões.
Um exemplo de sucesso citado pelo pesquisador é o Projeto Cheonggyecheon, em Seul, na Coreia do Sul, que recuperou um córrego, reduziu enchentes e revitalizou o centro urbano.
“Fazer um híbrido entre soluções baseadas na natureza, parques lineares, áreas grandes permeáveis, junto com sistemas tradicionais de engenharia se tornam uma boa opção. Colocando mais árvore em geral, a cidade vai esfriando um pouco mais localmente e vai ajudando na ilha de calor”, complementou.
Outra solução apontada pelo professor do Instituto Cidades da Unifesp é a instalação de mecanismo de captação, armazenamento e reúso da água da chuva nos imóveis espalhados pela cidade, com o objetivo de reduzir o impacto no sistema de drenagem.
Para Kazuo Nakano, também é necessário investir mais na prevenção e não apenas na Defesa Civil, “fazendo estudo de análise de risco na cidade diante das ameaças climáticas e ver quais são as vulnerabilidades da população, em especial a de renda mais baixa, e quais são as suscetibilidades a essas inundações em diferentes partes da cidade”.
17 mortes na Grande SP
Desde o dia 1° dezembro, a Defesa Civil já contabilizou 17 mortes no Estado de São Paulo relacionadas às chuvas de verão. A última vítima é um menino de apenas 7 anos que morreu no domingo (26) ao ser levado pela enxurrada dentro de um parque em Embu das Artes, na Grande São Paulo.
Segundo o balanço do órgão, oito vítimas foram diretamente relacionadas aos temporais no estado, enquanto sete morreram em razão de deslizamentos e outras duas, dos vendavais.
Bombeiros utilizam bote para ajudar moradores em meio ao alagamento provocado pelo forte temporal que atingiu o bairro da Pompeia, região oeste da cidade de São Paulo, na tarde desta sexta-feira (24)
MARCELO D. SANTS/ATO PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
Adicionar aos favoritos o Link permanente.