Snus: sachê de nicotina é mais forte que cigarro, vicia e pode causar câncer, alertam especialistas


Os sachês de nicotina são comuns na Europa, foram liberados pelos Estados Unidos, mas são proibidos no Brasil. Com apelo de sabor e aroma, especialistas explicam que eles podem viciar e ser prejudicial. Vigilância Sanitária de MS diz que substância é apreendida pela primeira vez no país
Ingrid Rocha
Os sachês de nicotina estão começando a entrar ilegalmente no mercado brasileiro. Conhecidos como snus, eles são bolsas com nicotina sintética com aroma e sabor. A comercialização do snus com tabaco é proibida na União Europeia, com exceção da Suécia, e no Reino Unido, embora o consumo não seja ilegal. Nos Estados Unidos, a FDA, agência reguladora de alimentos e medicamentos, recentemente autorizou a venda do produto.
Nas redes sociais, há anúncios que buscam convencer os brasileiros com promessas de que o produto é um caminho para abandonar o cigarro, mas o que especialistas alertam é que isso não é verdade. O produto tem alto teor de nicotina, que é altamente viciante, e aumenta o risco de câncer de boca.
➡️ A proposta do snus é sem um produto com nicotina, mas sem fumaça. Ele pode ser feito com ou sem tabaco, em uma versão com nicotina sintética. Essa versão existe no mercado mundial há cerca de 15 anos e é vendida com apelo de aroma e sabor – assim como os cigarros eletrônicos.
A pessoa coloca o produto entre o lábio superior da boca e a linha das gengivas e, ali, ele vai soltando nicotina que é absorvida pela mucosa, o que faz com que altos teores da droga cheguem ao sistema nervoso rapidamente.
Apesar disso, anúncios nas redes sociais vêm oferecendo o dispositivo como opção para parar de fumar, com caixas sendo vendidas a R$ 139. A Vigilância Sanitária de Mato Grosso do Sul apreendeu cerca de 2,2 mil sachês da substância Snus, uma das primeiras apreensões no país.
O g1 conversou com especialista e eles reforçam que isso não é verdade e explicam quais os riscos e o que pode fazer quem quer parar de fumar.
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O que são os snus e quanto de nicotina eles têm?
Esse tipo de sachê é tradicional nos países nórdicos, principalmente na Suécia. Por lá, eles começaram há décadas em uma versão com tabaco que tinha gosto amargo. No entanto, começou a ser produzido com uma versão sintética de nicotina. Sem o uso do tabaco, o produto acabou entrando em vários países.
🔴Na Suécia, até 2022 ele não era regulamentado. Depois de ser permitido, as autoridades suecas anunciaram pesquisas para entender o impacto do uso.
Dados de saúde do país mostram que a “Suécia viu um aumento acentuado no uso desde que o snus branco foi introduzido no mercado, especialmente entre mulheres jovens que historicamente não usavam snus”. Ou seja, não eram dependentes de nicotina.
Há versões que variam de 3 a 6 miligramas da droga por sachê – para uma comparação, o cigarro convencional tem 1 miligrama.
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Snus pode mesmo ser opção para deixar de fumar?
O g1 conversou com especialistas em saúde e em controle do tabagismo e eles são uníssonos: não é uma opção.
O problema do tabagismo, vício em cigarro, é a nicotina. Ela é considerada uma das drogas mais viciantes do mundo. No tecido cerebral, a nicotina se liga a receptores localizados nas membranas dos neurônios. A integração desses circuitos é responsável pela sensação de prazer causada assim que a droga chega ao sistema nervoso.
Apesar do snus não ter tabaco, ele tem altas concentrações de nicotina, que acabam mantendo a pessoa ainda viciada na droga.
Os especialistas explicam que no tratamento contra o vício há alternativas mais seguras com nicotina: o chiclete e o adesivo. O que diferencia essas duas opções do snus é a forma como ele age no corpo.
O mecanismo de absorção é parte do processo de dependência. É preciso que a pessoa tenha picos de nicotina no corpo, com absorção rápida para que a necessidade seja criada. No adesivo ou no chiclete, essa liberação da droga é muito gradativa e leva horas até que o corpo absorva. No sachê uma quantidade maior é absorvida rapidamente.
Além disso, o médico, que é especialista em tratamento contra o tabagismo, explica que não há pesquisas que mostram que o snus tenha ajudado pessoas a deixarem o vício em nicotina. Pelo contrário, estudos recentes como a do ministério da saúde sueco mostram que ele está levando pessoas que não tinham contato com a droga a usar.
O pesquisador de controle do tabaco no Instituto Nacional do Câncer (Inca), André Szklo, reforça também que as pesquisas mais recentes mostram aumento do risco de câncer de lábio, boca e esôfago com o uso desses dispositivos.
Não é porque não tem fumaça que não é cancerígeno. Temos indícios robustos do aumento dos casos de câncer com o uso, além de doenças cardiovasculares, pelo excesso de nicotina. Ele é um risco à saúde e não uma ferramenta de transição do fumo.
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O que os dois especialistas alertam é que é preciso cuidado com o apelo de sabor e aroma de produtos com nicotina. André explica que os cigarros eletrônicos conquistaram principalmente os jovens no mercado brasileiro com o marketing de ser uma opção mais segura – quando na verdade não são. Pesquisas recentes já mostraram que ele é mais viciante e, também, cancerígeno (Leia mais aqui).
🔴 Em 2012 a Anvisa chegou a proibir a venda de todos os produtos de tabaco com qualquer aditivo que pudesse alterar seus sabores e gostos. No entanto, a medida foi barrada. Uma pesquisa recente feita por André e outros pesquisadores mostra que de 2012 e 2023, um total de 1112 novos registros de produtos de tabaco com gosto e sabor foram registrados.
O país é um exemplo internacional no controle do tabagismo e isso é muito importante do ponto de vista de saúde pública. Precisamos estar alertas com a população jovem, que vem sendo atraída por esses produtos que não tem aspecto e gosto de cigarro, mas que são viciantes. A pessoa começa com esse tipo de produto, mas ele é bem mais caro e para manter o vício, acaba no cigarro convencional.
O snus pode ser vendido no Brasil?
🔴 No Brasil, o produto é ilegal. Segundo a Anvisa, é necessário regulamentação e isso não existe.
Apesar disso, há quem venda esses dispositivos na internet. Pelas redes sociais, há dezenas de anúncios oferecendo o produto a um clique. Apesar disso, os especialistas explicam que o uso de snus no Brasil é pequeno.
No exterior, a venda do snus com tabaco é ilegal na União Europeia — exceto na Suécia — e no Reino Unido. Mas o seu consumo não é proibido. Recentemente, Premiere Ligue, uma das mais importantes no futebol, se viu diante de uma questão séria de saúde pública: epidemia de “snus”. Jogadores foram flagrados usando esse produto até mesmo no banco de reservas, apesar dos malefícios para a saúde.
Nos Estados Unidos, a FDA, a Agência de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos, liberou a venda de snus. Para os especialistas, o movimento pode acabar ampliando a ‘fama’ dos snus em países pelo mundo, principalmente entre os mais jovens.
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Se quiser parar de fumar, o que fazer?
O Sistema Único de Saúde (SUS) tem ambulatórios pelo país que apoiam pessoas que querem parar de fumar e abandonar produtos com nicotina. Basta procurar a unidade de saúde mais próxima e se informar se na cidade ou região há um ambulatório.
Os médicos explicam que o primeiro passo do tratamento é a conscientização dos malefícios e a decisão de parar de fumar. Depois, o tratamento segue caminhos que dependem de pessoa para pessoa. É preciso entender o nível de dependência, os hábitos de fumo para saber qual é a melhor estratégia.
➡️ Por exemplo, a pessoa que fumou por décadas todos os dias depois de tomar um café. O café pode ser um gatilho para o fumo e durante o tratamento pode ser melhor suspender e trocar por outra bebida matinal.
O tratamento pode ter o uso de produtos com nicotina, mas só dois são reconhecidos pelo Ministério da Saúde: o chiclete e o adesivo.
“Parar de fumar é muito difícil, mas é possível. O Brasil já reduziu em 70% o número de fumantes no país. O ponto central é entender qual o papel do cigarro na vida da pessoa e tratar os hábitos do tabagista que foram criados em torno do hábito de fumar. Não precisamos de mais dispositivos de nicotina”, explica Ubiratan Santos, médico que atua nos ambulatórios de Cessação de Tabagismo.
🔴 Os médicos explicam que deixar o tabagismo não depende de acompanhamento médico e que há conteúdos disponíveis no site do ministério.
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