No país, cinco pacientes já receberam órgão de animal, mas em pedidos específicos que só podiam ser aceitos se paciente não tivesse outra alternativa de tratamento. Com a aprovação, pesquisadores esperam pacientes com melhor condição de saúde e que possam sobreviver por mais tempo com o rim. Towana é a única mulher viva no mundo com um rim de porco
Divulgação/NYU Langone Health
A Agência de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos (FDA) deu sinal verde para que duas empresas americanas realizem transplantes de rins de porco em humanos para estudos clínicos. No país, cinco pacientes já receberam o órgão, mas todos em licenças específicas, permitidas apenas quando a pessoa não tinha outras alternativas de tratamento.
Uma das empresas, a United Therapeutics Corporation, vai começar o teste com seis pacientes que não tenham problemas de saúde e estejam em hemodiálise há pelo menos um semestre. Se o resultado com esses pacientes for positivo, outros 50 poderão receber o rim do animal. O estudo deve começar em seis meses.
A segunda empresa é a eGenesis, responsável pelo desenvolvimento do rim transplantado por um brasileiro nos Estados Unidos. A empresa deve começar com três pacientes, analisar os resultados e avaliar a expansão do estudo.
A aprovação é um passo importante para as pesquisas sobre transplantes de órgãos de animais para humanos. Antes, centros de estudo, em parceria com as empresas, solicitaram transplantes pontuais, que só podiam ser feitos em pessoas sem outras chances de tratamento. Como resultado, dos cinco transplantes realizados, quatro pacientes não sobreviveram.
Dr. Jayme Locke, Towana Looney e Dr. Robert Montgomery
Mateo Salsedo
O último caso é o de Towana Looney, uma mulher de 53 anos do Alabama que recebeu um rim de porco na NYU Langone Health, em Nova York, em novembro. Ela já completou mais de dois meses com o órgão, que funciona plenamente e de forma saudável — o que é um recorde. Segundo os médicos, isso só foi possível porque ela tinha melhor condição de saúde do que os demais pacientes submetidos ao xenotransplante, nome dado ao procedimento.
As duas empresas aprovadas pela agência americana trabalham com a produção de órgãos de porcos geneticamente modificados. Ou seja, os animais são criados em laboratórios com mutações que permitem que seus órgãos possam ser transplantados com segurança e menor risco de rejeição.
Os rins produzidos pela United Therapeutics vêm de porcos que passam por dez edições genéticas para melhorar a compatibilidade com hospedeiros humanos: seis genes humanos são adicionados e quatro genes suínos são inativados — um que restringe o crescimento dos órgãos e três que podem causar rejeição no organismo humano.
Já na eGenesis, os órgãos passam por 69 edições genéticas, incluindo alterações em 59 genes para inativar vírus que estão integrados ao genoma do porco.
Rim de porco geneticamente modificado
Joe Carrotta para NYU Langone Health/via Reuters
No estudo, as empresas farão os transplantes iniciais e esperarão alguns meses para a recuperação e análise dos pacientes, com o objetivo de aprender e aplicar os conhecimentos adquiridos nos próximos procedimentos. Esse intervalo pode variar de três a seis meses.
O que é o xenotransplante?
Xenotransplante é o procedimento de transplante de órgãos de porco para humanos. Atualmente, diversos centros de pesquisa ao redor do mundo, inclusive no Brasil, investigam e já testam na prática o uso de porcos geneticamente modificados como fonte de órgãos para transplantes.
O transplante de órgãos é um desafio para a saúde pública, pois diariamente dezenas de pessoas entram na fila de espera, mas o número de doações não acompanha essa demanda.
Diante desse cenário, pesquisadores descobriram que seria possível modificar geneticamente órgãos de porcos para torná-los compatíveis com humanos. Esse processo envolve a alteração de genes para evitar que o órgão cresça além da capacidade do corpo humano, reduzir o risco de rejeição e impedir a transmissão de doenças do animal para o receptor.
Até o momento, já foram transplantados rins e corações de porcos, mas o transplante renal foi o que obteve maior sucesso entre os pacientes.
Mais de 40 mil pessoas esperam por um rim
No Brasil, 41 mil pessoas aguardam um transplante de rim. Esse é o órgão com a maior fila de espera no país, que tem um total de 45 mil pacientes aguardando por doação.
Segundo especialistas, essa alta demanda ocorre porque as doenças mais prevalentes no país afetam diretamente os rins. Para se ter uma ideia, o Brasil está entre os países que mais realizam transplantes renais no mundo, mas, mesmo assim, há milhares de pessoas na fila devido à grande incidência de doenças renais.
A escassez de doações continua sendo o maior entrave para reduzir esses números. Recentemente, o país implementou medidas para facilitar a doação, como a declaração de doador, mas, por lei, a decisão final ainda cabe à família do falecido.