
Campanha realizou eleições populares com dez personalidades como candidatos. Cearenses votaram por meio de urnas eletrônicas, ligações telefônicas e site. Campanha elegeu padre Cícero como Cearense do Século em 2001
Encontrar a personalidade que melhor representou o estado foi o objetivo da campanha para eleger o Cearense do Século. Com votação popular e mais de 1,6 milhão de participações, a escolha deu ao padre Cícero Romão o título de figura mais importante do Ceará no século XX. No aniversário de nascimento de padre Cícero, celebrado nesta segunda (24), o g1 relembra como foi a votação.
Em março de 2001, os cearenses foram às urnas, espalhadas por lojas e shoppings de Fortaleza e circulando pelos locais de votação em cerca de 40 cidades do interior (veja vídeo acima).
Era possível também votar por ligação telefônica e pelo site da campanha, promovida pela TV Verdes Mares e pela Rede Globo. O período foi de debates e conversas nas ruas sobre as personalidades importantes para a história do Ceará.
Com a escolha do padre Cícero no Ceará, a comemoração incluiu procissão pelas ruas de Juazeiro do Norte, na região do Cariri, e uma homenagem póstuma na Assembleia Legislativa, em Fortaleza.
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Também realizada em outros estados, a campanha buscou divulgar e homenagear os brasileiros que se destacaram no século.
Os candidatos
Cearenses votavam baseados em lista de dez nomes importantes para o estado no século XX
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Para montar uma lista de dez candidatos cearenses, a iniciativa reuniu listas de dez nomes elaboradas por 18 instituições. Dentre elas, estavam a Academia Cearense de Letras, a Ordem dos Advogados do Brasil e a Federação das Indústrias do Estado do Ceará.
Cearenses que disputaram o título de Cearense do Século em votação popular; da esquerda para direita, de cima para baixo: Rachel de Queiroz, Dom Helder Câmara, Antônio Martins Filho, Edson Queiroz, Virgílio Távora, padre Cícero Romão Batista, Patativa do Assaré, Clóvis Bevilácqua, Castello Branco e Eleazar de Carvalho
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Confira os candidatos e a porcentagem de votos na campanha Cearense do Século:
Padre Cícero: 38,78%
Edson Queiroz: 29,7%
Patativa do Assaré: 13,45%
Clóvis Beviláqua: 4,86%
Rachel de Queiroz: 4,34%
Eleazar de Carvalho: 2,77%
Dom Hélder Câmara: 1,89%
Antônio Martins Filho: 1,66%
Virgílio Távora: 1,63%
Humberto de Alencar Castelo Branco: 0,75%
Padre Cícero foi o vencedor, totalizando 657.304 votos. Houve também votos brancos e nulos, que somaram 0,17%.
Dentre os 41 candidatos citados pelas entidades e que não entraram na lista final, estavam nomes como Bárbara de Alencar, Capistrano de Abreu, Renato Aragão, Pinto Martins, Alberto Nepomuceno e José de Alencar.
Urnas eletrônicas
Campanha Cearense do Século fez votação um ano depois do uso da urna eletrônica em todo o Brasil
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Com votação que durou 20 dias, a campanha teve um total de 1.694.930 votos. Em 2001, o uso das urnas eletrônicas para as eleições no Brasil ainda era novidade. Isso porque as eleições municipais do ano 2000 foram as primeiras em que o Brasil teve o processo todo informatizado.
A estreia havia sido em 1996, quando as eleições de 57 cidades tiveram as urnas eletrônicas, conforme informações do Tribunal Superior Eleitoral.
Assim, a campanha Cearense do Século chegou no ano seguinte ao uso mais amplo das urnas. Com apoio do Tribunal Regional Eleitoral, os votantes tiveram também mais uma oportunidade de utilizar a nova tecnologia.
A campanha foi mais abrangente: para votar no cearense do século, não era preciso ter título de eleitor. A votação também era aberta para crianças, adolescentes e idosos que estavam acima da idade em que o voto é obrigatório nas eleições.
Além de ficarem disponíveis em lojas, supermercados e shoppings, as urnas podiam ser usadas em cartórios eleitorais, terminais de ônibus e rodoviárias. Como a campanha não exigia identificação dos usuários, era possível votar mais de uma vez.
As cidades e os seus preferidos
Padre Cícero, Edson Queiroz e Patativa do Assaré foram as personalidades mais votadas na campanha Cearense do Século
Reprodução
Durante o período de campanha, a TV Verdes Mares elaborou reportagens especiais sobre todas as personalidades que concorriam ao título de Cearense do Século. Foram 20 dias em que as equipes também acompanharam as votações pela capital e pelo interior.
Havia urnas itinerantes pelo interior. Outras dez cidades do interior tinham urnas fixas: Aracati, Assaré, Cascavel, Crateús, Crato, Iguatu, Juazeiro do Norte, Quixadá, Sobral e Viçosa do Ceará.
A escritora Rachel de Queiroz teria sido a vencedora caso a votação fosse apenas a soma das indicações dadas pelas 18 instituições que fizeram as primeiras listas de personalidades cearenses.
Ela também tinha altas chances de ser a Cearense do Século se a escolha se restringisse aos votantes de Quixadá. Mesmo tendo nascido em Fortaleza, Rachel de Queiroz estabeleceu uma relação próxima com a cidade.
Além de ser um dos contatos dela com o sertão nordestino, um tema recorrente em sua obra, a região tem a Fazenda Não Me Deixes, considerado um de seus refúgios preferidos.
Votação da campanha Cearense do Século no interior do Ceará
Arquivo TV Verdes Mares
Em Cascavel, o chanceler Edson Queiroz estava com 66% dos votos após duas semanas de campanha, conforme informações de reportagem do jornal Diário do Nordeste em março de 2001. Com duas urnas no centro, havia faixas e carros de som para estimular o voto no empresário, que nasceu no município.
A região do Cariri se dividia entre os seus “filhos ilustres”: padre Cícero, Antônio Martins Filho e Patativa do Assaré. Mais de três mil votos haviam sido registrados no primeiro dia de eleição no Crato, com urna instalada na Praça da Sé.
Enquanto Juazeiro do Norte tinha até emissora de rádio ressaltando diariamente a importância de votar no padre Cícero, os moradores de Assaré deram mais de 13 mil votos para Patativa, contra apenas 400 votos no padre nas duas primeiras semanas de campanha.
Comemoração na terra do ‘padim’
Horto do padre Cícero, em Juazeiro do Norte
Claudiana Mourato/TV Verdes Mares
A notícia da vitória do padre Cícero veio no dia 21 de março de 2001, três dias antes da celebração o aniversário de nascimento dele, que é no dia 24 de março.
Naquele ano, milhares de romeiros colheram flores para ofertar em caminhada de homenagem ao aniversário do religioso. Elas eram jogadas em frente à Capela do Socorro, em Juazeiro do Norte, na chegada de uma procissão com cerca de 20 mil pessoas.
No dia 25 de março, veio outra celebração. Era a Carreata do Cearense do Século, na qual alguns participantes erguiam as capas dos jornais que traziam a foto de padre Cícero e os resultados da eleição popular.
A seguir, conheça um breve perfil dos candidatos da campanha Cearense do Século:
1º lugar – Padre Cícero
Nascido em 1844, o religioso despertou a fé e algumas polêmicas na região do Cariri cearense. Padre Cícero atraiu uma legião de devotos no Nordeste depois que uma hóstia entregue por ele a uma beata teria se transformado em sangue. O milagre não foi reconhecido pela Igreja Católica, que suspendeu suas atividades como sacerdote. Isso não impediu a devoção ao santo popular.
Fundador e primeiro prefeito de Juazeiro do Norte, padre Cícero chegou também ao cargo de vice-governador do Ceará. Ele esteve no centro de episódios políticos, como a Sedição de Juazeiro. A cidade com a estátua do ‘padim’ se tornou um centro de peregrinação religiosa. Em 2022, o processo que pode reconhecer padre Cícero como santo foi autorizado em Roma.
2º lugar – Edson Queiroz
O chanceler Edson Queiroz nasceu em 1925 na cidade de Cascavel. Reconhecido por ser um homem visionário e à frente do seu tempo, ele foi um dos empresários mais importantes do Ceará no século XX.
Atualmente, o Grupo Edson Queiroz é uma referência nacional, presente nos ramos de energia, alimentos e bebidas, eletrodomésticos, comunicação, agropecuária e incorporação imobiliária. O empresário foi vítima de acidente aéreo na Serra de Aratanha, em 1982.
3º lugar – Patativa do Assaré
Batizado como Antônio Gonçalves da Silva, o poeta popular nasceu na Serra de Santana, no Cariri, em 1909. Filho de agricultores, ele perdeu a visão de um dos olhos ainda criança.
Patativa foi cantor, compositor e repentista, tendo frequentado a escola por apenas quatro meses e começado a cantar de improviso a partir dos 16 anos. Seus versos abordam as vivências do sertanejo e a convivência com a seca.
4º lugar – Clóvis Beviláqua
Natural de Viçosa e nascido em 1859, Clóvis Beviláqua foi jurista, escritor, historiador, jornalista, professor e filósofo. Foi um dos fundadores da Academia Cearense de Letras e da Academia Brasileira de Letras.
Um dos destaques na carreira do cearense foi na área jurídica, tendo ajudado a elaborar o projeto que baseou o Código Civil Brasileiro, considerado um marco para modernizar as leis civis do Brasil, com promulgação em 1916.
5º lugar – Rachel de Queiroz
A escritora Rachel de Queiroz nasceu em 1910 e marcou a literatura nacional com suas obras, que trazem regionalismo e críticas sociais. A cearense foi a primeira mulher a ingressar na Academia Brasileira de Letras, conhecida pelas obras “Mandacaru” e “O Quinze”.
Aos 17 anos, começou no jornalismo. O reconhecimento pela obra literária começou aos 20 anos. Rachel também produziu literatura infantil e escreveu mais de 2 mil crônicas e peças de teatro.
6º lugar – Eleazar de Carvalho
Nascido em Iguatu em 1912, o músico começou suas atividades aos 11 anos em uma banda da escola da Marinha. Na vida adulta, integrou a Orquestra do Theatro Municipal do Rio de Janeiro.
Ele esteve entre os fundadores da Orquestra Sinfônica Brasileira, sendo assistente do regente húngaro Szenkar. Teve também experiências internacionais, como a regência da Orquestra Sinfônica de Boston e a Filarmônica de Viena, além da carreira de professor em renomadas instituições norte-americanas.
7º lugar – Dom Hélder Câmara
Filho de um bibliotecário e uma professora, Hélder Pessoa Câmara nasceu em Fortaleza no ano de 1909. Ele desenvolveu sua vocação religiosa desde muito cedo, entrando para o seminário aos 14 anos e se tornando padre aos 22 anos, dois anos antes de ter a idade mínima exigida.
O ‘Dom da Paz’ teve um trabalho marcante na luta por direitos humanos, principalmente durante a ditadura militar. Ele fundou a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, foi bispo auxiliar no Rio de Janeiro e arcebispo de Olinda e Recife por mais de 20 anos.
8º lugar – Antônio Martins Filho
Nascido no Crato em 1904, Antônio Martins Filho foi o fundador e primeiro reitor da Universidade Federal do Ceará (UFC) e da Universidade Estadual do Ceará (Uece). Ele foi comerciante, advogado e professor de Economia Política, além de ser professor catedrático de Direito Comercial na UFC.
Foi membro da Academia Cearense de Letras e se destacou na área da educação, recebendo diversas titulações e cidadanias honoríficas.
9º lugar – Virgílio Távora
Nascido em 1919, Virgílio Fernandes Távora foi governador do Ceará, senador, deputado federal e ministro de Estado durante o governo do presidente João Goulart. Foi considerado um dos políticos mais importantes do Ceará, alinhado ao processo de industrialização e desenvolvimento econômico do estado. Era sobrinho do militar e ministro Juarez Távora, tendo também uma carreira militar.
10º lugar – Humberto de Alencar Castelo Branco
Descendente do escritor José de Alencar, Castelo Branco nasceu em Fortaleza em 1897 e avançou na carreira militar, tendo atuado na Segunda Guerra Mundial, na Itália. Foi o primeiro presidente durante a ditadura militar, em eleições indiretas após o golpe de 1964, e teve o mandato prorrogado com a suspensão das eleições presidenciais. Castelo Branco morreu em um acidente aéreo, em 1967.
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