
Funcionários da área de Controles Internos e Integridade tiveram que se afastar por problemas de saúde. Ministério Público do Trabalho e sindicato apuram queixas. Sede do Banco do Brasil, em Brasília
Rafa Neddermeyer/Agência Brasil
Três funcionários que gerenciavam o setor de combate à corrupção da BB Seguridade, empresa vinculada ao Banco do Brasil, se afastaram dos postos no último ano após, segundo denúncias, sofrerem assédio moral no ambiente de trabalho.
Na prática, foi um desmonte da equipe: nenhum dos funcionários que compunham o setor no início de 2024 permanece lá atualmente. O g1 teve acesso a depoimentos que narram as condutas que levaram a esses afastamentos.
A BB Seguridade é uma holding (empresa que controla outras empresas) que atua com seguros, previdência, títulos de capitalização e planos odontológicos, e em negócios que intermedeiam a venda desses produtos.
O Ministério Público do Trabalho (MPT) em Brasília abriu um procedimento para investigar o caso. A denúncia indica que os episódios de assédio teriam ocorrido entre 2024 e o início de 2025.
De acordo com a denúncia, as principais práticas envolveriam:
isolar a área de Controles Internos e Integridade e seus funcionários;
limitar a atuação desses trabalhadores e o acesso deles a informações;
avaliar com notas baixas e barrar a progressão de pessoas não alinhadas à cúpula da empresa, priorizando a ascensão de aliados.
A apuração preliminar está com o procurador Paulo Cezar Antun de Carvalho. Após a análise inicial, ele pode decidir dar prosseguimento à investigação ou arquivá-la.
Em nota ao g1, a BB Seguridade informou que ainda não foi notificada pelo MPT e que “reafirma seu compromisso inegociável com as melhores práticas de governança corporativa” (leia a íntegra abaixo).
A denúncia chegou ao MPT no último dia 26 e diz que o assédio foi praticado pelo superintendente executivo de Governança, Riscos e Compliance, Maurício Azambuja, e por outros profissionais com o objetivo de “desmantelar” a Superintendência de Controles Internos e Integridade (SCI).
Nesta reportagem, você vai ver:
O que faz a área de controles internos
Os detalhes do suposto assédio – e do impacto na saúde mental
O que diz a denúncia
O que diz a empresa
Como a CGU define assédio moral
O que diz o sindicato
O que faz a área de controles internos?
A Secretaria de Controles Internos e Integridade (SCI) tem a função de avaliar “processos críticos” e analisar se a BB Seguros e a BB Corretora, empresas da holding, cumpriram normas de conduta. Cabe à SCI, também, apurar eventuais falhas e irregularidades.
A denúncia aponta um episódio que pode ter motivado a crise interna: a investigação de dezenas de “kits executivos”, avaliados em cerca de R$ 4 mil cada, dados como presente à cúpula da empresa e a parceiros externos no fim de 2023.
O kit continha itens como mala de bordo, mochila de couro e carregador por indução. O valor seria maior que o máximo permitido pelo Código de Ética do BB permite.
A apuração foi concluída pela auditoria interna. Apesar de ninguém ser responsabilizado, os executivos tiveram que devolver os brindes.
Além disso, o g1 apurou que a SCI também vinha apontando:
deficiências no monitoramento de novos parceiros comerciais, que vendem produtos da empresa pelo país e têm se expandido bastante sem fiscalização periódica, por exemplo;
deficiências na gestão de contratos com grande parceiros (como a seguradora Mapfre e a Odontoprev, por exemplo).
Segundo dois funcionários do banco ouvidos pelo g1 e que não são citados na denúncia, a BB Seguridade é um braço do Banco do Banco que tem influência de políticos do Centrão – e isso, desde antes do atual mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Em janeiro, em meio às discussões sobre a reforma ministerial, o blog do jornalista Lauro Jardim em “O Globo” noticiou que o Centrão queria aumentar seu poder no BB.
Para isso, chegou a indicar alguns nomes para substituir a atual presidente do banco, Tarciana Medeiros, escolhida por Lula. Um desses nomes seria o do diretor-presidente da BB Seguridade, André Haui, superior de Azambuja.
Os detalhes do suposto assédio
Nenhum dos funcionários da BB Seguridade que atuava na Superintendência de Controles Internos e Integridade (SCI) no início de 2024 permanece na função. Os cargos foram ocupados por funcionários novos.
A reportagem optou por preservar as identidades dos funcionários. Procurados, eles não quiseram se manifestar.
A discussão sobre assédio moral nos bancos estatais, adoecimento e acidente de trabalho está na pauta do Judiciário. No ano passado, a Justiça reconheceu a morte de um diretor da Caixa como acidente de trabalho.
Sérgio Batista, diretor de Controles Internos e Integridade da Caixa — área equivalente à que hoje enfrenta denúncias na BB Seguridade —, foi encontrado morto na sede do banco, em Brasília, em julho de 2022.
À época, a Caixa registrava uma série de denúncias de assédio moral e sexual contra o então presidente, Pedro Guimarães, e cabia à diretoria de Batista investigá-las.
A viúva de Batista pede à Justiça uma indenização milionária, sob o argumento de que o suicídio foi causado pelo assédio e pela pressão que ele enfrentava no banco. O processo judicial ainda está em andamento.
Ex-vice da Caixa é demitido por justa causa por assédio sexual e moral
O que diz a denúncia
No caso da BB Seguridade, o relato feito ao Ministério Público lista as datas e os locais em que teria ocorrido o assédio.
Em uma reunião com três funcionários da Secretaria de Controles Internos e Integridade (SCI) realizada em 23 de fevereiro de 2024, logo após a posse de Maurício Azambuja, o executivo teria declarado que “regras existem para serem flexibilizadas”.
Para os funcionários, a postura contrariou a Lei Anticorrupção, que exige respeito às normas. A então chefe da SCI teria tido uma crise de choro — a primeira das três crises relatadas.
Em 26 de fevereiro de 2024, ela formalizou seu descontentamento por meio de mensagens para Azambuja, mas nunca teria recebido resposta. Uma colega dela teria ouvido de outro executivo que a funcionária era “uma mulher perigosa” — um exemplo dos ataques pessoais que os trabalhadores dizem ter sofrido.
Em maio de 2024, a funcionária se afastou da chefia da SCI por motivos de saúde. Em agosto, o INSS manteve o afastamento e depois o estendeu. Hoje, ela está em um programa interno de proteção a denunciantes.
Segundo a denúncia, o banco vinha preparando um funcionário para substituir essa funcionária na chefia da SCI – inclusive, pagando cursos de formação. No entanto, a direção resolveu abrir processo seletivo e escolheu uma pessoa vinda de fora.
Os denunciantes veem perseguição, porque nenhuma outra superintendência da BB Seguridade teria tido processo seletivo semelhante.
O terceiro funcionário da SCI recebeu de Azambuja a nota mais baixa na avaliação de desempenho — 1 de 5 — e teria tido uma reunião tensa quando pediu explicações. O funcionário gravou a conversa e registrou a transcrição em cartório. O g1 obteve a ata junto ao cartório em Brasília.
Conforme a transcrição, Azambuja disse que deu a nota ruim porque o subordinado teve uma “conversa” com terceiros que prejudicou o clima no trabalho.
Essa conversa, no entanto, não podia ser revelada pelo executivo a ninguém, nem mesmo ao próprio funcionário avaliado — que ficou sem saber o motivo da nota baixa.
Em meio aos embates, ainda segundo a denúncia, as atribuições da SCI foram diminuídas. Em um dos exemplos, a área ficou de fora das discussões para atualizar o regimento do Comitê de Ética e Integridade da empresa. Depois, no texto final, acabou sendo excluída do assessoramento a esse comitê.
Em 11 de novembro de 2024, Azambuja também teria pedido que o representante da SCI “se retirasse da sala” no meio de uma reunião que trataria do canal de denúncias e ouvidoria interna.
O relato ao MPT diz que esses e outros episódios foram narrados à Ouvidoria do Banco do Brasil ainda em 2024. Os funcionários também sustentam que foram alvos de discriminação — misoginia e homofobia.
Caso confirmadas, essas condutas se chocam com uma das principais bandeiras de Tarciana Medeiros, a presidente do BB, que criou programas para promover a diversidade no banco.
O que diz a empresa
O g1 enviou à BB Seguridade uma lista detalhada dos eventos citados na denúncia e pediu manifestação da empresa e de Azambuja. Leia a resposta na íntegra:
“A BB Seguridade Participações S.A. esclarece que não foi notificada pelo Ministério Público do Trabalho. A companhia reafirma seu compromisso inegociável com as melhores práticas de governança corporativa sustentadas por um Código de Conduta e Ética robusto e por um Programa de Compliance e Integridade baseado em processos rigorosos e transparentes, que asseguram o cumprimento das leis, regulamentos, normas e diretrizes aplicáveis aos seus negócios”.
“Todas as denúncias formalizadas por meio de seus canais — disponíveis a funcionários, terceirizados e profissionais parceiros — possuem caráter confidencial e são apuradas com rigor, investigadas e tratadas de forma tempestiva pelos órgãos internos competentes, sendo adotadas as medidas cabíveis sempre que houver comprovação dos fatos.”
Como a CGU define assédio moral
A Controladoria-Geral da União (CGU) editou em 2023 uma cartilha, chamada “Guia Lilás”, para prevenir discriminação e assédio moral e sexual no governo federal.
A cartilha cita 23 exemplos de condutas de assédio moral, incluindo:
“privar a pessoa do acesso aos instrumentos necessários para realizar o seu trabalho”;
“sonegar informações necessárias à realização de suas tarefas”;
“dificultar ou impedir promoções ou o exercício de funções diferenciadas”;
“segregar a pessoa assediada no ambiente de trabalho, seja fisicamente, seja mediante recusa de comunicação”.
2023: denúncias de assédio moral e sexual disparam no país
O que diz o sindicato
O presidente do Sindicato dos Bancários de Brasília, Eduardo Araújo, afirmou que a entidade já soube do caso e avalia tomar providências.
“A gente estimula que haja denúncia, para as pessoas terem confiança na apuração e no resultado, porque muitas vezes a vítima é revitimizada depois, pelo processo. A gente precisa de proteção para quem denuncia”, disse Araújo.
Ele afirmou que são raros os casos em que vários funcionários de um mesmo setor se afastam sucessivamente por motivos de saúde, como ocorreu na BB Seguridade.
“Quando a pessoa [gestor] acha que está com poder demais, ela acaba extrapolando. Muitas vezes a empresa que acaba pagando pelo problema de assédio de alguns gestores. A gente entende que essas pessoas que teriam que pagar por isso, não necessariamente a empresa, porque isso gera um prejuízo para a empresa”, disse.