Neste dia dos pais, o g1 conversou com duas famílias da região que têm pais dedicados e presentes na vida dos filhos deficientes. Eles trabalham diariamente em formas de desenvolver a autonomia dos filhos, celebrando cada pequena conquista. Demetrius é pai do Samuel, um jovem com deficiência.
Arquivo pessoal
A paternidade, por si só, já é desafiadora. No entanto, quando se fala da paternidade atípica, que são os pais de pessoas com deficiência, a dedicação exigida é ainda maior. Para além dos cuidados comuns de uma criança, é necessário adaptar a rotina e os afazeres diante das necessidades do filho PCD.
Neste dia dos pais, o g1 conversou com dois pais presentes e dedicados, que superam seus limites com amor, para ajudar os filhos com deficiência a terem autonomia e qualidade de vida. Para eles, cada pequena conquista, como conseguir se comunicar com o filho ou concluir uma tarefa banal, se torna uma vitória.
Demetrius é pai do Samuel, um jovem com deficiência.
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Missão de vida
Demetrius Varandas é de Caçapava, no interior de São Paulo. Militar aposentado e advogado, ele é casado há 18 anos com Cristiane e é pai de três filhos: o Daniel, de 18 anos; Samuel, que tem 16 anos e o caçula, Felipe, de apenas oito anos. Samuel, mais conhecido como Samuca, teve má formação no cérebro e é considerado deficiente intelectual, estando também no espectro do autismo.
Demetrius conta que sempre sonhou em ser pai e constituir uma família. Desde pequeno ele já sabia a importância da função e os cuidados que demandaria, já que como filho mais velho, ele mesmo ajudava a criar os irmãos, trocando fralda, dando mamadeira e banho.
A chegada de Samuel foi ansiosamente aguardada e a deficiência descoberta de surpresa, já que todos os exames do protocolo pré-natal não apontaram nenhuma alteração.
“Em momento algum os exames indicaram que ele viria assim, eram todos resultados padrão. O Samuel nasceu de cesárea e no parto apresentou dificuldades respiratórias. Chegou a ficar internado na UTI neonatal, para poder se recuperar. A gente percebeu que ele nasceu debilitado, com uma feição diferente, mas não sabíamos da deficiência”, afirmou Demetrius.
Samuel quando era bebê.
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Foi somente aos sete meses de vida, após várias consultas com pediatra, que o médico confirmou a desconfiança dos pais de que Samuel era diferente e o diagnóstico veio pelos exames especializados.
“A gente sentia que ele era muito molinho, não reagia a certos estímulos, não ficava sentadinho como uma criança de sete meses consegue ficar. Conversamos com o pediatra a respeito, ele pediu exames, ressonância e então identificaram uma má formação no cérebro”, contou.
Apesar do baque do diagnóstico, Demetrius e a esposa não se abalaram e de imediato começaram inúmeras terapias para conseguir suprir as necessidades do Samuel.
“Eu digo que Deus foi muito generoso em nos mandar o Samuel. Ele tem um bom temperamento, nunca reclama da vida. Deus sabia que quando o Samuel veio ele precisaria de alguém como eu e a nossa família e também sabia que eu precisava do Samuel. Ele é a minha missão de vida”, disse emocionado.
Demetrius é pai do Samuel, um jovem com deficiência.
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Pequenos gestos, grandes conquistas
Entre consultas com fisioterapia, fonoaudiologia, terapia ocupacional e o apoio incondicional dos pais, Samuel foi crescendo. Aos cinco anos, ele andou pela primeira vez, construindo uma memória inesquecível para os pais presenciaram os primeiros passos e o mais importante, ficando mais perto da autonomia.
“A conquista dele ter andado foi maravilhosa, não tinha ideia de que ele iria conseguir andar. Eu e a Cristiane vimos na hora, ficamos fazendo ele andar de uma lado para o outro e nos abraçamos de felicidade. Foi emocionante”, lembrou.
“Ele tem algumas limitações, até hoje ele não fala, não mastiga, toma mamadeira (por só conseguir consumir alimentos batidos), usa fralda, precisa de ajuda para tomar banho e fazer sua higiene, mas mesmo com essas dificuldades ele consegue andar, caminha com dificuldade, mas consegue”, contou orgulhoso.
Demetrius é pai do Samuel, um jovem com deficiência.
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Como pai de um jovem com deficiência, cada pequena conquista se torna especial. Além de andar, o fato de Samuel ter se adaptado ao longo dos anos e conseguir encontrar formas de se comunicar com os pais é também motivo de comemoração.
“Ele é dependente, não faz nada sozinho e como não fala, gesticula. Ele aprendeu formas de se comunicar com a gente. Se quer mudar o desenho, traz o controle e me puxa até a tv. Eu vou trocando de canal até que vejo que ele dá uma risada, porque gosta da programação e deixo no canal que ele quer. Se ele quer tomar algo, ele busca a mamadeira e traz até mim. São as formas que ele consegue se expressar”, explicou.
Demetrius ao lado da família.
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A relação entre pai e filho ficou ainda mais forte após um episódio triste que ocorreu em 2015. Samuel sofreu uma hemorragia forte, ficou internado e como Cristiane estava na reta final da gravidez do terceiro filho, Demetrius que esteve mais ao lado de Samuca, o acompanhando durante o processo de internação e recuperação.
“Ele é muito apegado comigo e após essa internação ficou ainda mais. De tanto ficar junto com ele, ele pegou confiança, entendo o que ele quer, o modo que ele chora ou reclama já sei o que está querendo. Tem até um episódio engraçado, em que ele veio de braços abertos para mim e minha esposa achou que ele queria um abraço. Só de olhar eu sabia que ele queria que eu tirasse a blusa dele. Abracei e ele recuou, mas depois tirei a blusa dele e ele permitiu, então a gente vai aprendendo a ler o que ele expressa e quer, da forma que consegue se comunicar. É uma simbiose”, contou.
Demetrius ao lado de dois dos três filhos.
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Paternidade engajada e presente
Samuel frequenta a Apae de Caçapava, onde passa por profissionais especializados na área da saúde e tem experiências de convivência com outros jovens atípicos. Pensando no filho e também nas necessidades de quem é deficiente, Demetrius entrou como voluntário para a diretoria da Apae, trabalhando em melhorias para a entidade e lutando pelos direitos da comunidade.
O militar reconhece que a paternidade de quem tem um filho com deficiência é exigente, necessitando ter resiliência.
“É uma exigência muito acima do normal. Um filho já exige muito do pai, por mais que seja criado, os pais vão se preocupar, mas as preocupações vão se transformando e as autonomias dos filhos vão dando novas preocupações. Já quem tem um filho especial, a primeira fase não passa”, disse.
“Eu sou consciente que ele vai ser especial para o resto da vida, vou ter que ficar pegando ele no colo, trocando fralda, escovando o dente dele, isso é cansativo, tem que acordar madrugada para limpar a cama de xixi. São cuidados que vão ter para o resto da vida, não tem descanso, mas é a minha missão e é meu dever como pai”, disse.
Demetrius ao lado da esposa e dos três filhos.
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Aprendizado contínuo
Demetrius conta que a paternidade o transformou e que a cada dia aprende mais com o Samuel e também com os outros dois filhos, Daniel e Felipe. Os irmãos são compreensivos com Samuca, tentam interagir e apoiam os pais nos cuidados com o jovem.
“Eu aprendo com eles todos os dias. Todos são meninos muito bons, de valores, respeito e íntegros. O carinho que eles têm com o Samuel são impagáveis, os três são motivo de orgulho para mim”, disse.
Samuel é um jovem com deficiência.
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Apesar da rotina por vezes desgastante, Demetrius diz que a cada abraço e beijo que recebe do filho, as energias são renovadas e todos, em família, ficam prontos para encarar um novo dia.
“O Samuca é carinhoso, de longe a única pessoa que conheço que não tem maldade, não tem falsidade. É um exemplo. Ele é genuíno. Até quando fico bravo com ele, ele vem, me dá um abraço e isso me quebra. É um aprendizado contínuo. Dou graças a Deus pela família que tenho”, contou.
Rudnei é pai da Valentina, que tem disgenesia do corpo caloso.
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Amor sem barreiras
O Rudnei de Lima César, de 40 anos, mora em São José dos Campos. Ele é técnico em refrigeração, casado há 13 anos com a Vanessa Soares César e pai da Valentina de Fátima César, de quatro anos. A menina tem disgenesia do corpo caloso, um tipo de má formação no cérebro.
O sonho da paternidade sempre esteve presente na vida dele e da esposa. Após sete anos de tentativas, com algumas gestações que infelizmente não progrediram, Rudnei e Vanessa conseguiram realizar o sonho de se tornarem pais.
Ainda durante a gestação, os exames do protocolo pré-natal apontaram anormalidades. Valentina nasceu prematura, de 32 semanas. Ela ficou internada na UTI e com apenas oito meses de vida operou um cisto que comprimia a audição e a visão dela.
Rudnei é pai da Valentina, que tem disgenesia do corpo caloso.
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Apesar da condição de saúde que a filha tem, Rudnei conta que nunca desanimou da paternidade e que se sente realizado tendo Valentina nos braços. O amor que ele já nutria por ela só cresceu quando a conheceu.
“Quando descobrimos o diagnóstico, a gente na verdade se preocupou, mas não teve problema algum quanto ao sonho da paternidade. A gente queria tanto ter um filho que do jeito que viesse não faria a diferença, a deficiência não é um problema pra gente”, contou Rudnei.
Rudnei é pai da Valentina, que tem disgenesia do corpo caloso.
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Após a cirurgia, a pequena conseguiu melhorar alguns aspectos da saúde, o que é motivo de alegria para Rudnei, já que ele e a esposa trabalham constantemente com inúmeras terapias e acompanhamentos médicos para fazer que a menina consiga alcançar cada vez mais autonomia e tenha uma melhor qualidade de vida.
“Após a operação a audição voltou, a visão não tem perfeição, mas ela conseguiu recuperar parte e enxergar. Hoje, aos quatro anos, ela não fala, não consegue andar sozinha, mas estamos ao lado dela, trabalhando para que ela consiga evoluir cada vez mais”, contou.
Rudnei é pai da Valentina, que tem disgenesia do corpo caloso.
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No entanto, para que a filha conseguisse evoluir e ter acesso a tantos procedimentos e terapias, como fonoaudiologia, equoterapia, terapia ocupacional, hidroterapia, entre outros, os pais precisaram entrar na justiça.
“Tivemos que entrar com uma ação judicial contra o convênio para ter os procedimentos especializados, que são direito dela. Com os profissionais certos, ela começou a se desenvolver muito, começou a andar com andador de pvc improvisado”, contou empolgado.
Rudnei conta que consegue ser um pai presente, engajado e, que ao lado da esposa, se dedica 24 horas aos cuidados de Valentina. Por ela não conseguir se expressar, eles precisam ficar atentos o tempo todo, para verificar se ela está bem.
“Temos que sempre observar as necessidades dela. Ela já sofreu várias convulsões, costuma ter crises respiratórias, então não podemos descuidar”, disse.
Rudnei é pai da Valentina, que tem disgenesia do corpo caloso.
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Por causa das preocupações, ele conta que no início não conseguiu aproveitar a paternidade, ficava correndo atrás do que era necessário para a pequena, mas que agora consegue aproveitar o momento presente e que celebra cada pequena conquista e evolução da filha.
“Ela mudou totalmente a nossa rotina quando nasceu. Na época passamos por tanta coisa, que não curtia ela, era correria, mas eu largo tudo por causa dela. A gente vê outras crianças fazendo tantas coisas, mas a gente vive um mundo diferente e pequenas coisas são uma vitória”, explicou.
“Com a Valentina, a gente vê quão extraordinário é cada movimento. Ficar de joelhos, bater palma, conseguir beber água, isso é banal para outras crianças, mas para nossa filha é uma grande conquista e motivo de celebração para nós”, completou.
Rudnei é pai da Valentina, que tem disgenesia do corpo caloso.
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O casal também vê a Valentina como uma missão de vida, pela qual estão dispostos a lutar e vencer todos os obstáculos que uma pessoa com deficiência enfrenta, para tornar a sociedade mais preparada para recebê-la e também para promover a cada pequena vitória, um passo a mais em direção da autonomia e independência da filha.
“Ela não fala, mas está aprendendo a imitar os animais. Consegue imitar até o elefantinho. A gente luta pra ela não passar por dificuldade nenhuma. Cansei de brigar em mercado e outros locais por causa do uso da vaga de deficiente por pessoas que não são deficientes. Isso também faz difereça”, contou.
Rudnei diz que vive uma paternidade em busca da equidade e que só de estar ao lado da filha, vê que já teve o mundo transformado.
“São passinhos de formiguinha, cada vitória é incrível, motivo de comemoração. A gente espera que no futuro, com dedicação e terapias, ela consiga o mínimo de autonomia, independência, equidade e viva em um mundo mais acolhedor com as pessoas deficientes. Ela é meu tudo. Falei que ela veio pra mudar o mundo, pelo menos o meu ela já mudou. Sou um pai realizado”, disse.
Rudnei é pai da Valentina, que tem disgenesia do corpo caloso.
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