Tragédia que provocou 64 mortes na cidade completa um ano nesta segunda-feira (19). Desde então, os sobreviventes dos deslizamentos de terra tentam reconstruir a vida no Litoral Norte de São Paulo. Tragédia de São Sebastião: veja como estão os sobreviventes um ano após temporal devastador.
Wilson Araújo/TV Vanguarda/g1
Maior registro de chuva da história do país, o temporal que devastou São Sebastião, no Litoral Norte de São Paulo, completa um ano nesta segunda-feira (19). Desde então, as pessoas que sobreviveram aos deslizamentos de terra têm lutado para reconstruir a vida na cidade.
O temporal atingiu o município na madrugada do dia 19 de fevereiro de 2023, durante o feriado de carnaval. A chuva provocou deslizamentos de terra, desmoronamentos de casas e deixou a cidade destruída, com milhares de desabrigados: 64 pessoas morreram na tragédia — confira aqui um resumo do caso.
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Além da dificuldade de começar do zero, já que boa parte das vítimas perdeu tudo para as chuvas, outro ponto tem dificultado essa reconstrução: o trauma provocado pela tragédia.
A equipe de reportagem da TV Vanguarda conversou com sobreviventes que, um ano depois, relembraram a tragédia que comoveu o país e contaram sobre as dificuldades que enfrentam para recomeçar.
Manicure tenta recomeçar após tragédia, mesmo em meio aos traumas e perdas que a marcaram
Tristeza e traumas
Christiane Santana trabalha como manicure na Vila Sahy — epicentro do episódio — e teve o salão destruído na tragédia. Ela afirma que não conseguiu mais ser a mesma pessoa desde o temporal.
Christiane Santana, manicure.
Arte g1/Wilson Araújo/TV Vanguarda
Christiane é da Bahia e se mudou para São Sebastião (SP) justamente para dar início ao sonho de empreender como manicure. A mudança aconteceu em 2011, mas quase chegou ao fim por conta a tragédia, já que ela pensou em voltar ao estado de origem.
Além de ter a casa danificada por conta da força da chuva, a manicure sofreu diversos prejuízos com o salão, que também foi atingido. Com a ajuda da comunidade, porém, conseguiu voltar a atender no local um mês depois.
“Na madrugada [da tragédia] eu nem consegui olhar [o salão]. Dizia: ‘O salão se foi. E agora? Como vai ser?’ Eu não tinha coragem de entrar, até que consegui dias depois e vi que estava tudo bagunçado. Um cenário de tristeza”, lembra.
Manicure tenta recomeçar após tragédia, mesmo em meio aos traumas e perdas que a marcaram.
Wilson Araújo/TV Vanguarda
Com a retomada, ela decidiu continuar na Vila Sahy e dar sequência ao sonho como empreendedora.
“Essa história já passou. Difícil, mas já passou. Aqui é um lugar que eu tinha muito carinho. Perdi clientes, de crianças a pessoas de idade. Eu perdi, mas precisava prosseguir”, declarou.
Em busca de um novo lar
Cozinheira sobreviveu ao temporal e busca um novo lar para recomeçar a vida com os filhos
Outra moradora de São Sebastião que carrega um trauma desde a tragédia é a Zuleide Alves, que também morava na Vila Sahy até então. Ela estava na casa quando a chuva começou, mas conseguiu sair antes do deslizamento de terra destruir o imóvel.
“Desde então tem sido muito difícil. Eu tento esquecer, mas não consigo. Quando começa a chover eu já fico em desespero. Começa a me dar crise de ansiedade. Fico nervosa”, conta.
Zuleide Alves, cozinheira.
Arte g1/ Wilson Araújo/TV Vanguarda
Apesar do susto, Zuleide afirma se sentir grata por sair viva da tragédia e por não perder nenhum dos seis filhos. A caçula Rhillary, na época com apenas sete dias, também conseguiu ser salva pelos pais. A trabalhadora atribuiu a sobrevivência da família a um milagre.
“Olho para a minha filha hoje e vejo que ela é um milagre. Todos são, mas ela principalmente. Tinha sete dias e começou a sentir meu desespero, porque passou a noite inteira chorando. Foi uma noite que ela não dormiu”, diz Zuleide.
“Apesar do que a gente passou, ela ainda me transmite muita felicidade, muita força de querer lutar. Ela é muito carinhosa. Me abraça, me beija, me morde”, conta.
Ao lado dos filhos, a cozinheira busca agora um novo lar, já que sua casa ficou destruída na tragédia. Ela já passou por uma escola, um hotel e hoje mora na Vila de Passagem do bairro Topolândia, enquanto aguarda uma moradia definitiva por parte do governo estadual.
Cozinheira sobreviveu ao temporal e busca um novo lar para recomeçar a vida com os filhos.
Wilson Araújo/TV Vanguarda
Zuleide conta também que, além de encontrar uma nova casa, um dos principais objetivos é evitar que o trauma da tragédia atrapalhe o desenvolvimento dos filhos, embora acredite que eles não vão se esquecer do que passaram no dia 19 de fevereiro do ano passado.
“Acho que na cabeça deles ainda fica a imagem [da tragédia]. Eles também presenciaram tudo. Então deixo eles brincarem bastante para esquecerem um pouco. Se para nós, adultos, já é difícil superar isso, imagina para uma criança. Creio que as imagens nunca vão sair da cabeça deles”, destaca.
Segundo a trabalhadora, a principal motivação para se reconstruir é a família ao lado e a sensação de alívio de ter escapado por pouco dos deslizamentos de terra.
“Muitas famílias não tiveram tempo de correr. A lama levou e matou muitas crianças, muitas famílias. Então só agradeço, porque acho que não era para eu estar aqui hoje contando minha história”, declarou.
Memórias de dor
Barbeiro sobreviveu ao temporal devastador e ajudou a resgatar vítimas da chuva
Devastada pela tragédia, a Vila Sahy era um dos principais centros comerciais da cidade, além de ser o lar de muitos moradores. O ambiente, até o dia da chuva histórica, era de expectativa para os comerciantes, já que a cidade vivia a temporada de verão estava às vésperas do carnaval.
Para o Ednelson Messias, a alegria naquele momento ia além de boas vendas durante a temporada. Ele havia acabado de dar início ao sonho de ter uma barbearia na região. O estabelecimento foi aberto no dia 18 de fevereiro, um dia antes da tragédia.
“Inaugurei a loja de manhã e o deslizamento foi na madrugada seguinte. Tinha 70 centímetros de lama dentro da loja. Tive que desmontar tudo e montar tudo de novo. Estamos correndo atrás”, lembra.
Barbeiro sobreviveu ao temporal devastador e ajudou a resgatar vítimas da chuva.
Wilson Araújo/TV Vanguarda
Essa, porém, passa longe de ter sido a maior dificuldade naquele dia. Como já estava no local, Ednelson passou a ajudar outros sobreviventes e resgatar corpos das pessoas que haviam sido soterradas.
“A chuva estava muito forte, não parava. Tinha uma galera soterrada. A gente correu para ajudar as pessoas que estavam pedindo socorro, que estavam presas. A enxurrada passou e derrubou partes das casas”, recorda.
A gente estava ilhado, então não teve como a gente sair e nem como o pessoal (de resgate) chegar. Foram três dias direto assim, até o pessoal do Exército chegar”, acrescenta.
Ednelson Messias, barbeiro
Arte g1/ Wilson Araújo/TV Vanguarda
O próprio pai de Ednelson chegou a ser dado como desaparecido. Isso porque ele também mora na Vila Sahy, mas não foi encontrado nas horas seguintes à tragédia. O idoso, que estava em outro ponto da cidade, só apareceu dois dias depois.
“Nem acreditei a hora que vi ele. A gente estava na Barra do Sahy, na casa da minha tia. Aí um menino saiu correndo e gritando, falando que ele tinha aparecido. Fui ver e ele realmente tinha aparecido mesmo. Foi uma emoção total”, termina o barbeiro.
Casas destruídas na Vila do Sahy
Fábio Tito/g1
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