O Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu na quarta-feira (4) que racismo reverso não é um conceito válido e nem tem respaldo na legislação e ordenamento jurídico do Brasil. De modo unânime, a Sexta Turma votou que ofensas contra pessoas brancas, relacionadas à cor da pele, devem ser tratadas como injúria simples e não como injúria racial
A decisão se baseou no caso de um homem negro que, em um app de mensagens, chamou um italiano de “escravista cabeça branca europeia”. O Ministério Público de Alagoas abriu o caso como injúria racial, mas esta não se sustentou. O STJ afirmou a que racismo é um crime específico e conversa com a opressão histórica e estrutural contra pessoas pretas.
Preocupação imediata contra racismo reverso
Em entrevista exclusiva ao Portal iG, o advogado de defesa do réu, Pedro Gomes, coordenador do Núclo de Advocacia Racial do Instituto do Negro de Alagoas (INEG/AL) relatou o caminho até o caso. Explicou que o assunto chegou para ele por meio de uma jornalista. Ela o apresentou para o INEG/AL, que rapidamente abraçou a defesa. Para ele, a situação logo se tornou emblemática e de extrema importância para a construção de uma jurisprudência sólida sobre o racismo no Brasil.
“A nossa preocupação foi logo percebida, porque esse era um caso extremamente necessário, muito paradigmático. Em função disso decidimos atuar. A gente entendeu que deveria entrar no caso para isso não virar moda, para não se repetir. A gente queria matar pela raiz.”
Segundo Gomes, o caso começou com uma queixa-crime, sem ação penal instaurada, mas o Ministério Público de Coruripe apresentou a denúncia “contrariando todas as questões da razoabilidade. O juiz da Vara de Coruripe, de forma surpreendente, decidiu receber a denúncia e transformar isso em ação penal”, opinou o advogado.
Impacto da decisão do STJ
O advogado explicou como a equipe de defesa do acusado trabalhou para o caso não se desdobrar e multiplicar. Para ele, a decisão do STJ tornou-se um marco jurídico fundamental para esclarecer a legalidade do conceito de racismo reverso.
“Nosso trabalho inicial era que esse caso encerrasse antes de chegar à denúncia, mas entendemos que havia um porquê no caso ter chegado até o STJ, transformando esse debate em jurisprudência importante para o país”, destacou. `Para Pedro, a decisão do STJ de não considerar o racismo reverso demonstrou de maneira clara e definitiva que a tese do racismo reverso não tem fundamento jurídico no Brasil.
“Essa decisão vem ao encontro de todas as nossas alegações. Advogados negros combatem juridicamente a ideia do racismo reverso, e não tem embasamento. Não pode ser acolhido dentro do nosso ordenamento jurídico”.
Pedro também destacou a relevância do voto unânime dos ministros e a importância do apoio de entidades como a Defensoria Pública da União e de defensorias públicas de São Paulo e do Rio de Janeiro, do Instituto Nacional de Criminalística e até do Ministério da Igualdade Racial.
“Todos entraram com o amicus curiae nesse processo, e todos seguiram a mesma linha. Ter essa decisão criando um nível de jurisprudência é histórico”, declarou. Amicus curiae é uma expressão latina traduzida para “amigos da corte” e se refere a terceiros que participam do processo para adicionar informações.
Impacto pessoal
Embora a decisão seja uma grande vitória jurídica para o advogado, Pedro ressaltou o sofrimento pessoal e familiar do réu, acusado de racismo. Para ele, a verdadeira vítima foi quem sofreu com o processo criminal, pois precisou não apenas de defesa, mas apoio para o bem-estar do acusado e família.
“A verdadeira vítima desse processo é o réu e toda a sua família. Sofreram com todo esse desgaste. Não era apenas uma batalha jurídica, mas também emocional. A sensação de dever cumprido é enorme, porque a decisão do STJ também traz a sensação de que fizemos justiça”, afirmou. Também destacou o quanto foi difícil para a defesa dissociar as emoções do trabalho jurídico dada a complexidade e a importância do caso.
Papel da imprensa e sociedade
Pedro destacou o papel crucial da imprensa e da sociedade no acompanhamento do caso e no fomento do debate sobre a desigualdade racial no Brasil. Para o advogado, o apoio da mídia foi essencial para divulgação e promoção de uma reflexão profunda sobre o racismo no país. “A imprensa teve um papel determinante, divulgando o caso e fomentando o debate na sociedade. Sem esse apoio, não teríamos chegado a esse ponto”, afirmou.
Ele também enfatizou que a decisão do STJ não deve ser encarada apenas como uma vitória para o réu, mas um marco na luta contra o racismo estrutural no Brasil. “Esperamos que casos como este possam criar um debate maior, permitindo que a sociedade compreenda melhor o que é o racismo e a desigualdade racial no país. Essa decisão nos dá motivos para acreditar no sistema judicial brasileiro, para acreditar no direito e para ter orgulho de ser advogado”, concluiu.